Cartas dos leitores - Enviada por Erika Rosa - Respondida pelo Diego Engenho Novo



Como Fazer Um Camelo Desaparecer
(Resposta à carta da leitora Erika do Rio de Janeiro-RJ)

 Erika

 – Olá, Diego, como vai? Namoro há 5 anos, tenho 21. Passei minha adolescência e minhas experiências com a mesma pessoa me acompanhando a vários lugares, o amei muito e posso dizer que talvez seja o único que amei desenfreadamente. Porém, como todo namoro, há altos e baixos, brigas e acertos. E infelizmente, após 5 anos eu percebi que não tenho mais forças para lutar e continuar nessa relação. Estamos á deriva do nosso amor. O problema é que ele é a pessoa certa, sabe? Aquele romântico que me enche de mensagens, aquele que deve apresentar aos pais, aquele que irá tirar sorrisos em horas que a alma esquece de sorrir.
Entretanto, não está sendo mais a pessoa certa na minha vida nesse momento. Eu quero viajar, me encontrar, dançar, ter experiências loucas com minhas amigas para contar e até quebrar a cara se for necessário para o meu amadurecimento. Um dia, me disseram que a pessoa certa faz o momento virar certo, e com medo de perder uma pessoa extraordinária, fico em um relacionamento sem vida. Não o quero magoar e machucar, mas também não aguento mais essa situação de medo, de não valorizar a quem me valoriza, entende? 
Aguardo suas palavras e seus conselhos que aliviam. Um beijo e abraço carinhoso,

 Erika, Rio de Janeiro-RJ

. Diego Engenho Novo

 – Oi Erika, lendo a sua carta, me lembrei de uma adivinhação que ouvi uma vez de um amigo austríaco. “Um camelo entra com metade do corpo em uma tenda. A cabeça e as duas patas dianteiras estão dentro. O rabo e as duas patas traseiras estão fora dela. Onde está o camelo: dentro ou fora da tenda?”.
Pensei por um tempo e respondi que o camelo não estava dentro, nem fora da tenda. Meu amigo sorriu e disse: “Bem, agora você sabe como fazer  um camelo desaparecer”. Eu sei que parece uma brincadeira inofensiva de criança, mas essa adivinhação me fez entender que boa parte do nosso sofrimento está em não saber. Há beleza em ficar e lutar pela calma que ele te dá, em valorizar o tempo pelo qual se dedicaram, em valorizar a pessoa incrível que ele é, em respirar fundo mais uma vez e tentar novamente e novamente.
De igual forma, há beleza em se reinventar, em se arriscar, em se permitir ser uma mulher diferente ali na frente. Há beleza em se perdoar, se você se arrepender, no mesmo nível em que há beleza em ser grata se essa escolha torna-la maior do que você já é. Escolha. Pense por um segundo: se a sua escolha, não fosse fazê-lo mais feliz, nem mais triste; se a sua escolha não fosse fazer sua família mais triste ou orgulhosa; se fosse somente você a afetada; você se enxergaria mais feliz seguindo a sua rotina com ele ou sem a vida que conhece?
Eu, particularmente, também tive que fazer essa escolha tempos atrás. Tive que ser honesto comigo mesmo e com alguém que amava muito. Meu camelo estava divididinho. E eu escolhi tirá-lo da tenda, cair no mundo. Sabe, Erika, eu ficava remoendo futuros inalcançáveis, possibilidades, remoía tanto, que não me sentia mais capaz de fazer-nos feliz, de estar presente naquela relação. Sei que perdi alguém único, mas sei também que me encontrei. Depois de tudo que vi por esse mundo lindo, sinto que hoje eu seria um companheiro melhor, mais presente. Hoje, o meu camelo estaria inteiro dentro da tenda, fazendo uma bagunça danada, desengonçado, mas feliz, completo. 
Recentemente, Jô Soares contava uma história sobre seu filho falecido. Quando criança, Jô levou o guri numa livraria e, ao ver o pequeno com uma pilha de livros nos braços, disse que aquilo era exagero. 
“Escolhe uns seis, filho”, conta Jô, “
Então eu não quero nenhum. Escolher é perder, pai”.
Escolher é perder, Erika, mas não escolher é desaparecer de algum modo. Empurra esse camelo!

 Um abraço do tamanho do mundo!

 Diego Engenho Novo

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